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quarta-feira, 30 de maio de 2018


LUCUBRAÇÕES MACABRAS
“O causo de Joana três beiços e o castigo de Ogun”
Capitulo 7
Logo a correria começou e Sinhá Joana já não tinha sossego, corria pra venda e direto pra casa de Berto e muitas vezes dormia por lá mesmo. Tudo estava correndo bem e ela estava satisfeita até porque Seu Cristóvão e Miguel Grosso tomaram a frente e Filó estava fazendo santo de Nagô, estava tudo uma maravilha.  Enfim depois de muitos dias numa quinta feira Ògún saiu e deu nome conforme a tradição nagô, logo voltou e tomou Hum Ògún estava lindo e todos muito contentes.
Mais um pouco Filó estaria em casa e tudo voltaria ao normal. O Orupin e o panã foi feito, mas ai Ògún exigiu que Filó ficasse os três meses no terreiro até cair o Kele, Sinhá Joana se contrariou mas fazer o que, se Ògún queria assim, assim seria. Mais três meses de sacrifício indo a casa de Hunberto e fazendo a venda, mas ela iria aguentar tudo em nome de Ògún, desse jeito as coisas foram se arrumando e o tempo passou rápido. Ao final o preceito dos três meses afinal Filó iria pra casa já sem o kele e podendo afinal dar uma ajuda pra ela e a deixar descansar um pouco depois de tanto “Lufa Lufa”.
Seu Miguel foi e limpou a casa, bateu folhas e defumou deixou tudo nos conformes pra Filó chegar e a casa estar arrumada, no outro dia foi com José pegar Filó. Foi uma alegria a chegada de Filó, sinhá Joana não cabia em si, recebeu Filó no portão e ajudou ela com as tralhas, esteira, pinico, caneca, panelas e lençóis e tudo mais que uma iawo tem que ter ao fazer santo. Filó ficou de pé na sala esperando uma iaba pra arrumar a esteira e trazer agua pra ela, mas não tinha nenhuma iaba na casa ela sabia e então seu Miguel que muito embora fosse de “Tempo”,  originalmente era de Yemanja portanto era uma Iaba de modo que arrumou as esteiras e trouxe agua pra iawo chegar de verdade em casa. Não havia muito a conversar pois sinhá Joana sabia exatamente como seria o preceito de Filó até completar um ano de santo de modo que despediu-se e deixou as duas tranquilas pra por os assuntos em dia.
Com Filó em casa tudo voltou a rotina, sinhá Joana com as vendas e Filó cuidando da casa todos estavam felizes, Filó era muito dedicada e toda sexta feira ia pro terreiro e voltava sempre domingo a tarde pra casa, sempre ao chegar ia cuidar de Ògún no atinxã como parte de seus preceitos pois Ògún assim tinha exigido dela, porem Filó tinha um dengo especial com “Ajunsun” e se desdobrava em cuidados com esse Orisa/ Vodun. A vida transcorria tranquila até que sinhá Joana começou a sentir o peso da idade e Filó começou a fazer a venda no lugar de sinhá Joana até que ela não conseguia mais fazer nada em casa, a idade tinha chegado e era a hora de Filó assumir tudo deixando sinhá Joana descansar coisa difícil pois as vistas dos amigos não davam tempo e ela não deixava de ser uma grande anfitriã sempre querendo fazer tudo mesmo sem poder, coisa que a irritava muito, mas fazer o que, era a vida. Filó cumpria rigorosamente suas obrigações e já era uma “Ebomi”. Filó se desdobrava com seus mais velhos, não deixava de estar presente no Terreiro de Dewanda e do velho Cristóvão por quem tinha um carinho especial, pois ambos eram de Ògún, no pantanal era amiga de Lindinha, Milton entre outros mais velhos e na casa de Dewanda era muito querida, era o xodó de Obassa. Era amicíssima de  Odé Toni da Ilha Amarela não faltava a um Olorogun da velha senhora, sempre estava na festa de Esu de Djalma onde era amiga de Mirteia e de Pão duro. Sempre que podia ia à macumba de Jorge Buda que era um conselheiro de chegada. A vida de Filó era tranquila quando um dia sinhá Joana anoiteceu e não amanheceu. De certa forma já era esperado, mas nunca entendido, sinhá Joana estava com a idade muito avançada e a “tinhosa” não deixa escapar ninguém por mais que seja como sinhá Joana de modo que aconteceu o inevitável. Filó avisou os camaradas e preparou tudo para as exéquias da velha, coisa que ela queria que fosse de primeira com tudo que a velha queria. Imediatamente as amigas chegaram junto e os camaradas foram a luta nada podia faltar no Axexe da velha que seria de 7 dias de acordo com a posição dela. O velório foi realizado na sala maior da casa. O Ile Sain já estava pronto, foram 7 dias de muita atividade não dando tempo pra Filó se “amuar”, o banzo passou longe até que no dia do carrego Filó se deu conta que ficaria sozinha, uma cantiga a fazia tremer sempre que Milton Melodia cantava:
Oloro e iku aiye
Oduro iku aiye
Iku lopa la baba
Iku ko ma kekere
Oduro iku aiye
O axexê
Comandado por seu Cristovão e tocado por seu filho o mestre Milton Melodia como de praxe começou de Efon. A voz do velho deu partida.
Aisunji
Aisunji oo
Omo nile wa
Oloroke
Asé ebora......
Filó se deu conta da morte de sua camarada, a emoção chegou perto e as lagrimas caíram, amparada por Sinhá Lindinha e Sinhá Ilza de Oxala Filó se aguentou mas a sucessão de cantigas a deixavam cada vez mais triste e Milton cantou:
Axexe axexê omo
Axexê mojuba o.....
As lagrimas toldarão sua visão sempre a primeira cantiga é emblemática. E na hora que cantou Angola que é bem explicita a coisa pegou, o ritmo e canto são empolgantes mesmo sendo triste. Na hora que mestre Milton cantou:
Chora papai
Chora mamãe
Chora Joana
Que foi pro afa/ aku
Filo desmaiou nos braços de Iya Ilza, essa cantiga é emblemática. Sinhá Lindinha tomou abença a aos mais velho e cantou o Zerin, sua especialidade:
Zerim na cota moda moré
Cota moda moré
É um ozan
omorodé lozam
Mean......
Assim foram os sete dias, filo aguentou e ao final do axexê de rastro tudo estava em paz e todos se foram cuidar de seus afazeres, enfim Filó se sentiu sozinha em  casa, agora sua, a velha antes de morrer tinha deixado tudo pra ela com o compromisso dela continuar com o legado do velho Oba karé Jébu.
No próximo capitulo o epilogo do causo.
Ogun se faz presente e o castigo vem a cavalo.  
Baba Gilberto de Esu

sexta-feira, 11 de maio de 2018



LUCUBRAÇÕES MACABRAS

“O causo de Joana três beiços e o castigo de Ogun 6


O “bobolojô de Filó

Sinhá Joana acordou mas cedo e foi cuidar de seus afazeres, primeiro foi ver Exu e em seguida seus atinxã e em especial o velho Ògún de seu ancestral pedindo a ele que apurasse os olhos de seus velhos amigos que viriam para o “bobolojô”. Satisfeita foi pra cozinha preparar uns quitutes e refrescos, a cerveja muito embora tivesse trincando só poderia ser degustada depois da mesa resolvida. Tudo pronto sentou-se em sua espreguiçadeira e se deixou voltar ao passado, relembrado os que se foram e pedindo mentalmente forças pra continuar nessa vida sacrificada. Felizmente tinha uma saúde de ferro e aguentava o tranco, seu devaneio a levou a casa do Velho tio Cipriano Abede, uma casinha acanhada, postigo sempre aberto e sala acolhedora muito embora ranzinza o velho Abede recebia todos muito bem e sempre tinha um bom “vinho de obi” feito por ele mesmo. O vinho era enterrado na lua minguante e desenterrado na cheia, era sem igual, sempre sentado em sua cadeira de balanço fumando seu charuto. No canto da sala ficava seu Ògún, um monte de ferros velhos e dois facões sempre afiados. Abede era o único naqueles tempos que sabia sacrificar cachorro pra Ògún e era só ver em cima dos ferros as cabeças testemunhas silenciosas dos cachorros que entraram em sua porta por curiosidade, segundo o rastro da mistura de dendê com mel que os atraia até os pés de Ògún. Parecia real ela ouvia o velho cantar:

Olo moro koro komo de moro
Moye ina ina
Mode mata. mata ki mi matara
Aro ki mi marora.........

O velho porrete caia no toutiço do bicho que munhecava na frente de Ògún e ai o facão caia de uma vez só, via-se um sorriso de satisfação no canto da boca do velho, Ogunheeeeeeeeeee Moyeeeeee.
Nesse momento o cachorro da vizinha latiu e ela acordou do devaneio levantou e foi à cozinha tomar um café, estava nervosa com o que viria. Abaixou pôs a mão no chão e levou a cabeça tomando bença mentalmente ao velho Abede. 

Ainda era cedo o povo só viria a tarde, ela tinha muito tempo pra ver coisas que muito embora que tivesse revisto, veria de novo, coisa de velho. Olhou em volta e em cima do fogão, viu a moqueca deixada de ontem, pegou a panela satisfeita e pensou, tem muito molho vou fazer uma moqueca de ovos logo depois almoçou, como de costume botou uma cadeira perto da porta da cozinha onde batia a solda tarde e ficou sentada pensando e “esquentando o sol”, ali se deixou esperando seus camaradas chegarem. Por volta de duas horas ouviu o chamado. O de casa, ela se deu conta que tudo iria começar, avexou-se e, levantou e gritou “O de fora” bate a mão na tramela e entra.
Era Dewanda e Cristóvão que chegavam juntos no (aero willis) verde de Dewanda sempre dirigido por José fiel companheiro de Dewanda. Eles entraram falando animadamente e rindo sentaram-se na sala. Sinhá Joana apressou-se em trazer agua fresca, ofereceu e todos tomaram e começou a troca de benças entre eles nesse interim eis que chega Humberto, pronto estavam todos. Humberto chegou sentou-se tomou sua agua e também tomou abença a todos e enfim todos perguntaram:
- De noticias de filó ?
Berto coçou a cabeça olhou a todos. Sinhá Joana olhava diretamente em seus olhos aflita com o silencio grave de Berto. Afinal Berto falou. Filó esta bem sim, a ajibonã esta cuidado dela e mandei suspender a continuação dos preceitos até ver o que vamos decidir hoje no “Bobolojô”.
Seu Cristóvão impaciente falou. Vamos ver isso logo, deixei Lindinha tomando conta no Pantanal junto com Milton, mas não cofio muito, só vim porque Dewanda me explicou o assunto.
Sinhá Joana já tinha a mesa pronta e todos se dirigiram a outra sala onde uma mesa redonda deixava todos a vontade. Cada um sentou-se e estabeleceu-se a discussão sobre quem faria o jogo e como não poderia deixar de ser seu Cristóvão era o mais velho então caberia a ele começar. 
O velho Cristóvão ajeitou o tabuleiro a sua frente e todos colocaram suas mãos nas bordas fazendo suas orações em africano para que Esu revelasse o que e como deveria ser feito o santo de Filó. Terminada as orações seu Cristóvão pegou os búzios com as duas mãos e sacudiu pedindo a Esu e todos os Orixás respondessem as questões apresentadas e deixou cair no tabuleiro.

Ejionile Awulele se apresenta
“Cumpra com seu sacrifício e serás bem sucedido”

O velho declarou alto e todos e botaram as mãos no tabuleiro e gritaram “Epa Alafia”, a seguir o Velho separou os búzios e perguntou sobre a questão da nação e os búzios deixaram ver que Ògún era Nagô. O Velho então passou o tabuleiro para cada um dos participantes para que confirmasse o que ele tinha visto.

Dewanda jogou e confirmou e todos botaram as mãos no tabuleiro gritando “Epa alafia”

Berto jogou e confirmou e todos botaram as mãos no tabuleiro gritando “Epa alafia”

Sinhá Joana jogou conformou e todos  botaram as mãos no tabuleiro gritando “Epa alafia”

Todos se levantaram e se cumprimentarão saudando Ògún que chegava em suas vidas através de Filó.
O velho Cristóvão pigarreou e todos prestaram atenção, ele então falou. A iyawo vai ser feita na casa de Humberto e todos nós vamos pra lá e cada um dará um pouco do seu saber, todos concordam?
Humberto dono da casa deixou todos a vontade e proclamou.  Como seu Cristóvão era mais velho e era de Ògún seria ele que daria o “tô” e perguntou se todos concordavam? Todos aceitaram e ficarão satisfeitos de modo que as datas que Humberto marcou para as obrigações estavam de pé não haveria mudanças.
No próximo capitulo 7 : Filó faz Ògún
Baba Gilberto de Esu

quarta-feira, 9 de maio de 2018

LUCUBRAÇÕES MACABRAS
                    “O causo de Joana três beiços e o castigo de Ogun "
                                                          capitulo 5
Na casa da Velha Joana Três Beiços

Alguem bateu palmas no portão, ela se ajeitou e foi ver quem era quando ouviu uma voz conhecida,
- O de casa sinhá dona.
- Era a voz de seu velho amigo Dewanda, famoso Miguel Grosso, baiano de boa cepa, filho de João da Gomeia.
-O de fora, gritou ela. Seu minino bata a mão na tramela e entre, foi Ogun que lhe mandou. Ogunhe baba agaba mi. Dewanda abriu a tramela e entrou cantando:
Ago ago, ago nile wa
Ago nile wa o.
A velha senhora com um grande sorriso nos lábios foi recebê-lo, ago ia, meu velho, entre essa casa é sua, abolete-se ai na sala, lugar nunca falta pra uma visita tão importante. E foi a cozinha pegar agua fresca para seu compadre.
- Olhe não sei porque mas senti vontade de ver você, sabe uma agonia quando passei perto de Ogun la em casa e ai você me veio a cabeça, pensei. Será que aconteceu alguma coisa com minha comadre? Preciso ver isso de perto. E ai aqui estou. Nesse momento sentiu falta de Filó e perguntou, Comadre cadê Filó que não vejo?
- Olhe meu compadre, Filó deu de roda, Ogun pegou e ela esta recolhida no Trezentos.
- Oxente comadre me conte isso, até outro dia ela estava bem, não sentia nem arrepio,  como aconteceu ?
- Sinhá Joana, chegou à sala trazendo a moringa e um copo botou a disposição de seu Miguel, sentou-se, deu um grande suspiro e começou a contar a ele o acontecido. Seu Miguel balançou a cabeça ouvindo e ao final perguntou de chofre.
- Oxente e porque não me procurou antes ?
- Dewanda, como contei aconteceu tudo muito rápido e ai não me lembrei de você.
- Sinhá Joana se eu puder ajudar me fale que vou fazer de tudo, gosto muito de Filó, é só me falar.
- Vou ser franca, depois que levei ela pra casa de Humberto que me dei conta que ele é angola, e eu sou Jeje, isso me preocupa. Eu sei que ele é um homem de saber, mas....
- Mas isso não é problema, se você quer que ela seja feita em sua nação podemos falar com ele e ir pra lá na hora da feitura e fazer como você quer. Podemos ir e conversar com ele e ajustar tudo.
- Eu gostaria mesmo, mas veja, eu acho que o santo dela é Nagô. Não pensei nisso antes, sabe.
- Temos que ver isso o mais rápido possível pra dar tudo certo. Vou falar com meu compadre Berto ainda hoje e resolver isso com ele. Voce pode ficar sossegada minha velha. Logo te dou noticias.
- Não sei como agradecer, foi Ogun mesmo que mandou você aqui. Ele sabe o que faz, Ogunhe baba mi.
- Ogunhe, Ogunhe. Vou la resolver o assunto e mais tarde lhe mando noticias.
Sem mais delongas Dewanda levanta, toma abença a velha senhora e se vai deixando ela com o semblante mais calmo.
Dewanda deixa a casa de Sinhá Joana e vai direto a casa de seu compadre Berto que era bem perto e logo chega e por sorte Berto esta no portão vendo as novidades. Vendo Dewanda chegar ficou pasmado e pensou: Eita hoje é dia “Ogun ta retado” até Dewanda por aqui e assim pensando foi em direção do carro dar boas vindas ao seu velho camarada exclamando. Ogun lhe trouxe na hora certa, vamos entrar e por os assuntos em dia!!!
- Berto esta tudo bem com você meu compadre?
- Dewanda meu velho, esta sim, mas vamos entrar e tomar um café, você veio em boa hora, preciso falar com você mesmo, entre e sente-se. Dewanda entrou sentaram-se e Berto mandou trazerem um café fresco enquanto o café chegava falou:
- Vc esta sabendo de Filo, a camarada de Sinhá Joana?
- Pra ser sincero sim, e por isso vim aqui pra falar com você.
- Pois é o santo dela é nagô e não angola, o que você acha ? Mesmo sinhá Joana tendo trazido ela a mim não posso passar por cima disso de qualquer maneira, já pensou ?
- Berto meu filho, eu e Joana falamos desse assunto agora mesmo na casa dela e por isso vim aqui pra propor uma coisa a você.
- Oxente você é meu mais velho fale sem rodeios.
- Berto eu acho melhor fazer um bobolojô. Eu, você, Sinha Joana e chamar mais um dos nossos e tirar essa duvida, você concorda ?
- Nada como ouvir os mais velhos, acho certo sim, mas quem podemos chamar?
- Eu chamaria Santinho ou seu Cristovão de Ogun do pantanal, os dois são ótimos olhadores, o que vc acha ?
- Olhe não sou amigo de Santinho (Agenor Miranda), mas de Cristóvão sou e muito, na hora do perrengue ele me socorre, topo chamar ele até porque ele esta mais perto, tudo bem ?
- Então chame e vamos marcar daqui a dois dias e vamos fazer um “bobolojô” e ver o problema de filó.
- Pronto pode vir que vou estar preparada.

continua no próximo capitulo

Baba Gilberto de Esu

terça-feira, 17 de abril de 2018

LUCUBRAÇÕES MACABRAS
“O causo de Joana três beiços e o castigo de Ogun”
Capitulo 4
Obs: No terreiro de Humberto dos trezentos.
Antes da chegada de Filó Humberto mandou arrumar uma esteira e um lençol e uma quartinha no barracão, pra colocar ela e ver realmente o que teria acontecido se era santo mesmo ou outra coisa. O carro chegou e Parrudo avisou seu Humberto que veio rapidamente com outras pessoas da casa pra ajudar a carregar Filó até o barracão. Deixou Filó na esteira coberta pelo lençol e foi pra sala onde estava Sinhá Joana em desespero.
- Bem minha velha, vamos a “vaca fria” Filó já esta aqui, é pra recolher mesmo?
- Olhe seu Minino Humberto, veja ai e me fale, deixo ela ai aos seus cuidados e vou ver o que posso fazer por fora.
- Va ver sua vida e suas venda eu vou botar um jogo pra ver as coisas e mais tarde passo em sua casa pra conversarmos. Antes de sair ao longe Sinhá Joana ouviu:
Bolo bolo na kuatezo
Inkosi e
Bolo bolo na kuatezo
Inkosi e
Ao ouvir se deu conta que Filo ia ser Muzenza e não Iawo, não faria Ogun e sim Nkosi, assim pesando e satisfeita se foi para casa ver o que poderia arrumar pra Ogun de sua camarada. Preocupada chegou em casa, de antemão sabia que estaria sozinha durante o período de recolhimento de Filo então não podia dormir no ponto, tinha que fazer a venda toda sozinha. Entrou em casa e lembrou que era dia de ir ao Atinxã de Ogun. Primeiro sentou-se na sala descansou o corpo e em seguida pegou uma vela, dendê e vinho. Sentada pensando em sua camarada Filó, as lembranças vieram a sua cabeça e a levaram a um tempo que não tem mais volta. Sinha Joana viu-se de “surran” na esteira, o barulho do Aja e a voz do velho:
Vodunsi imanado zereii
Io lenuncio lenuncio
É no xauere
Vodunsi imanado Ogun abei
Io lenuncio lenuncio
É no xauere
As lagrimas desceram molhando suas faces ebúrneas, ela sentiu vodun Leba passar apressado em direção do seu “atinxã”, o frio perpassou sua coluna, todos os vodun estavam presentes naquele momento com sua filha abençoada. Sinhá Joana, acordou do torpor, abriu os olhos e viu que estava em sua casa, sacudiu os ombros, bateu o pé três vezes no chão e pôs a mão no chão levou a cabeça e aos poucos foi levantando pra ir ver seu amado Ogun, incontinente atravessou a pequena sala, passou pela cozinha saindo no quintal, parou na porta olhando em volta, olhou a velha jaqueira o atinxã de Ajunsun, o Akoko rodeado pelos Peregun onde ficava escondido o velho “parabélo” embaixo de muito mariwo que representava Ògún, pegou um velho apoti e foi-se acercando de Ògún, botou o apoti no chão perto do atinxã, sentou-se devagar e escorregou aos poucos pondo os joelhos no chão, acendeu a vela. Sua memoria fervilhava de velhas lembranças, O Velho Cristóvão de Ògún ajoelhou-se ali e cantou:
Ogun ala koro
Ki sajo ki so e
A rewa rewa
Ki sajo hi so e
Assim pensando pegou o dendê e aos poucos foi regando Ògún, pegou o vinho fez o mesmo e lembrou-se do dia que Tata Lesengue foi a sua casa e viu Ògún e cantou:
É Nkosi mukunbi
Tara messa dengue
Go e ae ae
Go e ae ae
Go e ae
É nkosi mukumbi
Tara messa kala
Com senzala é nkosi
Com senzala é nkosi
Com sere manda kala
Com senzala.
Nessas alturas o vinho esborrava pelas bordas do alguidar e ao cair molhou seu pé fazendo com que Sinhá Joana acordasse dos devaneios, sacudiu a cabeça saindo estado de letargia, olhou o assentamento do Orixá desculpando-se pelo exagero. A cantiga do recolhimento de Filó estava em sua cabeça como “visgo de jaca” o fato de Filó fazer santo de Angola a incomodava, afinal ela era de uma rama importante de Jeje Mudubi e sua camarada seria “Muzenza”, nesse momento sacudiu a cabeça e deu de ombros, e dai o importante é que ela vai fazer seu santo.

Continua no próximo capitulo.
Baba Gilberto de Esu

quarta-feira, 11 de abril de 2018


3
Na casa de Pai Bimbinha torta, Filó caída.

Muito embora Sinhá Joana confiasse muito em Pai Bimbinha e seu jogo o mesmo era “ébózeiro” não tendo um terreiro, apenas fazia seu jogo e quando muito um ébó ou uma  mesa pra alguém e ai começava saga de Filó e Ogun, efetivamente Filo estava caída, incorporada com Ògún, isso não poderia ser mudado, mas como fazer o santo dela e onde, esse era o problema. Pai Bimbinha chamou Sinhá Joana no canto e conversaram em voz baixa:
- Sinhá Joana que temos que seja de confiança pra fazer o santo dessa menina ?

- Olha Pai Bimbinha, estou aqui pesando nisso, não quero que ela caia na mão de qualquer um. Por outro lado Ògún não deixa muito tempo pra gente decidir isso. O senhor e sua mulher da um jeito de segurar esse “jerere” que vou ver uma pessoa de minha confiança pra vim pegar ela. Por favor, veja isso pra mim. Pai Bimbinha pediu uma esteira sua mulher, ela trouxe, deitou Filó e a cobriram com um “oja”, por enquanto nada mais a fazer a não ser esperar Sinhá Joana voltar com a solução.

Sinhá Joana saiu sem saber onde procurar ajuda, muito embora tivesse muitos amigos/as que têm terreiro, mas poucos eram de sua confiança, firmou a cabeça em Ògún e se deixou levar envolta em pensamentos. Quando deu por si estava na porta de “Humberto dos Trezentos” que era pai de santo de fama muito respeitado em Caxias e redondezas. Como tinha intimidade com Humberto entrou direto na casa e pediu a pra vê-lo. Uma iawo vendo a velha, imediatamente ofereceu uma cadeira, botou a cabeça no chão tomando abença dela e foi pegar um café. Sinhá Joana agradeceu o café e pediu a ela que avisa-se Humberto da presença dela. A iawo pediu licença e se foi à procura do pai de santo. Sinhá Joana esperou impaciente até que seu Humberto apareceu na porta.

- Abença, sinhá Joana, que novidade é essa a senhora aqui fora de tempo ?

- Sinhá Joana coça a cabeça, abençoa Humberto e da inicio a conversa. Berto meu filho to num perrengue e só você pode me tirar dele, vou te contar e depois você me fala. Você sabe de Filó minha camarada ? Ela esta me dando muito trabalho, e ai levei ela na casa de Pai Bimbinha pra fazer uma mesa, seu minino que mesa, ele viu Ògún e falou pra nós, ai ela na hora caiu dura, bolou, como você sabe ele é ébózeiro então deixei ela la bolada e vim falar com você por que tenho confiança em você. Espero mesmo que você possa me ajudar com esse santo.

- O minha velha, a senhora sabe que pode contar comigo. Então ela esta bolada na casa de Pai Bimbinha? Tem que ir pegar ela e recolher? É esse seu perrengue?

- Sim senhor é isso mesmo.

- Vou chamar o Parrudo e ele pega o carro e vai com a senhora, pega ela e traz. ta bom? Ela aqui a gente vê o que pode fazer. Fique la na porta o Parrudo passa pega a senhora e vai até la e volta rapidinho com a menina

Filó faz santo.
Parrudo pegou Sinhá Joana e la se foram pra casa de Pai Bimbinha Torta, não era muito longe e logo chegaram, Sinhá Joana desceu apressada, Pai Bimbinha estava de plantão, ele e Sinha Joana trocaram olhares e foram direto pro quarto onde estava Filó “bolada”.
Os três com muito esforço pegaram Filó e levaram pro carro, acomodaram ela com cuidado no banco de trás. Filó acomodada Parrudo entrou e ligando o carro la se foram de volta pra casa de Pai Humberto dos Trezentos.
Continua
Baba Gilberto de Esu.

quarta-feira, 4 de abril de 2018


LUCUBRAÇÕES MACABRAS
“O causo de Joana três beiços e o castigo de Ògún”
2
A chegada de Filó foi um alvoroço na rua, os meninos notaram a beleza de Filó e logo todos começaram a pular o muro de Sinhá Joana pra pegar bolas de futebol que teimava em cair no quintal e Sinhá Joana logo se ligou no movimento observando Filó atentamente, mas Filó parecia alheia ao movimento e Sinhá Joana ficou satisfeita com a conduta de Filó. Logo Filó se integrou a rotina da casa ajudando Sinhá Joana com a venda, Filó sabia quebrar feijão, fazer o vatapá e preparar o molho nagô do jeito que Sinhá Joana gostava e assim a vida seguiu normal, mas as vezes Filó ficava meia “banzo” e Sinhá Joana se desdobrava em mimos e carinhos com sua fiel camarada mas,  nem sempre dava certo, até que um dia aconteceu o inevitável. Um certo pai de santo, “Franquilino boa vida” que frequentava a casa de Sinhá Joana começou a vir mais vezes sem muitos propósitos e Filó quando o via ficava indócil, errava o ponto da cocada, desandava o vatapá, e Sinhá Joana atenta notou e viu que era chegada a hora de tomar outras providencias e assim sendo pegou Filó e foi ao terreiro de Pai Bimbinha Torta, seu velho camarada de confiança e pediu a ele pra botar uma mesa pra ver a vida de Filó. Pai Bimbinha honrado com a presença de Sinhá Joana desdobrou-se em salamaleques e incontinente mandou sua mulher servir um café com sequilhos e foi preparar as coisas pra olhar pra Filó. Voltou e esperou Sinhá terminar o café e lá se foram pra outra sala onde Pai Bimbinha atendia.
Pai Bimbinha mandou Filó sentar-se a sua frente e Sinhá Joana ao lado. O silencio sepulcral foi quebrado pela pergunta de pai Bimbinha:
- Minha filha me diga seu nome todo.
- Filomena Dobradiça da Porta Baixa.
- Fique quieta ai e não cruze as mãos nem os pés.
Ouviu-se uma oração baixa de pai Bimbinha invocando os Orixas, o barulho dos búzios sendo sacudidos em suas mãos e ai caindo no tabuleiro. Pai Bimbinha olhou a configuração e gritou, “Ogunhe meu pai” olhou Filó que estava socada na cadeira nervosa com os olhos esbugalhados olhando pai Bimbinha, que olhou pra ela diretamente nos olhos e falou com a voz grave:
- Minha filha vósmece é filha de Ògún e tem que faze santo, Ogum ta lhe chamando. Por isso vósmece esta sentindo esse calor, esse nervoso e essa dor de cabeça. Olhe Sinhá Joana, essa menina tem que ser recolhida de pronto. Nisso a cabeça de Filó rodou e ela munhecou na cadeira, Sinhá Joana ao lado pegou ela correndo e tentou deixar ela sentada, mas debalde seus esforços ela escorregou e foi ao chão, confirmando as palavras de Pai Bimbinha. Ògún chegou.
Continua na próxima postagen
Baba Gilberto de Esu

terça-feira, 3 de abril de 2018


LUCUBRAÇÕES MACABRAS
“O causo de Joana três beiços e o castigo de Ogun”
1
Antecedentes de Joana três beiços:
D. Joana, uma velha senhora feita de santo da velha estirpe, fez santo de Jeje mudubi na mão de um velho Alufa chamado Hilario, Oba Karé Jébu cuja descendência ainda existe no Rj. Esse e outros causos chegam as minhas “oiças” através de um descendente do velho Alufá que era um erudito e deixou os vários causos nas “oiças” dos seus descendentes entre eles esse meu amigo.
A velha Joana era assim chamada por causa de uma protuberância que tinha no lábio superior dando a impressão que ela tinha verdadeiramente três lábios dai o apelido “Joana Três beiços”. Sinha Joana morava em Caxias na baixada fluminense e sua casa era muito frequentada pelos antigos Pais/mães de santo em busca de seus sábios conselhos. Sinha Joana  botava seu tabuleiro na Rua das Marrecas perto dos arcos da lapa, onde vendia seus quitutes e ganhava sua vida. Sinha Joana três beiços era uma das poucas baianas que tinha em seu tabuleiro, “amoda” e mingau de araruta além do melhor acarajé da Guanabara sempre regado por um delicioso “molho nagô”.
A casa de Sinha Joana era muito simples, mas tinha um encanto próprio em função de seu saber e de seus caprichos com seus Orixas sempre bem cuidados Em seu quintal varias arvores onde os diversos Orixas eram caprichosamente cultuados e um de forma muito especial, um Ogun que segundo ela teria sido do seu velho Alufa, em um velho alguidar vidrado um “parabelun” enferrujado representava o santo, sempre coberto por mariwo e bem regado no dendê.  Sinha Joana não morava sozinha, tinha uma colega e a filha dela. Filo já morava com sinhá Joana há muitos anos, era uma mulher feita de Ogun e sua filha feita de Nanã. As três dividiam a casa e trabalhavam no mesmo mister, preparavam a venda de Sinha Joana diariamente, carregavam tudo até o ponto de venda. A vida de Sinhá Joana corria tranquila até que Filó começou com um “faniquito” sem fim por causa de problemas íntimos.
Filó de Ogun
Filó tinha vindo com Sinha Joana do norte ainda bem nova. Em uma das muitas viagens da velha, por algum encanto Filó uma mulher bonita e brejeira, negra de pele azeitonada, corpo violão, mas se apegou com sinhá Joana e com ela veio para a Guanabara. 
Filó nascida Filomena, logo que nasceu virou Filó e assim ficou até morrer, ainda em sua terra natal,  Filó era o que se chamavam de terrível, um moleque travestido de menina, enfiava a porrada nos moleques das redondezas que fugiam dela como o diabo foje da cruz e dava muito trabalho aos pais e quando a velha Joana se ofereceu para leva-la para o Rj, a proposta foi aceita de olhos fechados pelos velhos.  E assim Filó saiu da cidadezinha do “Currimboque”e veio parar no bairro dos “Trezentos” em Caxias, subúrbio do Rj, pelas mãos calejadas de Joana Três beiços.
Continua no próximo capitulo.