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quinta-feira, 15 de março de 2018


LUCUBRAÇÕES MACABRAS

“ A Multa “

Vivia eu em Nilópolis por volta da década de 60. Perto de onde eu morava tinha uma casa onde morava um Ogâ chamado Lélinho, era da casa do finado Siríaco. Lélinho era pintor e sua esposa fazia escovas de enceradeiras embaixo de uma velha mangueira que havia na frente de sua casa e onde também nos sentávamos pra tomar umas e jogar conversa fora.
Eu e Lélinho nos tornamos amigos e sempre que tinha uma macumba pra tocar eu ia com ele como um aprendiz, o que na realidade eu era. Lélinho era um exímio tocador e todos os pais de santo de Nilópolis e arredores o procuravam pra tocar suas festas, e lá ia eu junto.
Muito embora Lélinho não fosse da turma da Central do Brasil onde nos reuníamos, ele era conhecido por todos. Quem viveu os áureos tempos dos grandes candomblés no Rj. sabe do que estou falando. Na antiga Central do Brasil do lado esquerdo de quem entrava, tinha uma ilha onde se fazia uma roda de capoeira. Por ali passavam todos e deixavam noticias dos candomblés ou das macumbas que precisavam de tocadores, além de ser o ponto de encontros dos camaradas. Eu trabalhava em Copa e na volta pra casa, passava todo dia no ponto pra saber das noticias ou jogar uma conversa fora. Todos ao Pais e Mães de Santo passavam por lá e deixavam noticias, punham um dinheiro na cabaça que ficava do pé do tabaque ou trazia uma garrafa e deixava.
 “Voltando a vaca fria” uma ocasião tinha festa de seu Ague de benu benu no terreiro, e Lélinho me convidou e assim la se fomos, ele era muito popular e por ser bom tocador logo foi chamado pro “kutitó de Léba” por la ficou até que mandou alguém me chamar e la fui eu pro “kutitó” também. Depois de algum tempo era chegada a hora de começar e fomos todos para o barracão, Lélinho foi para o couro e ai, me sentei próximo pra “bizoia” e “botar reparo” no toque e nas danças. Começou o toque cantando pra Bombo Gira e ai.
Mestre Lélinho tocava animadamente quando de repente o tabaque rodopiou em sua mão e parecendo ter vida foi parar caído no meio do barracão. Foi uma correria imediata, cobre com pano branco, pega agua e cruza, despacha a porta, em fim foi um pandemônio, até que uma Makota Sóróró, pegou Lélinho e levou para um quarto que dava entrada para o barracão. Todos nos ficamos esperando pra saber o que iria acontecer. Depois de cruzado com agua e despachada a porta, levantaram o tabaque e ficamos em suspense no barracão sem saber o que acontecia.
Lélinho saiu do quarto cabisbaixo me fez um sinal e foi direto pra porta saindo do terreiro, fui atrás sem saber até que Lélinho entrou na birosca se aboletou numa cadeira e pediu uma cerveja, sentei ao lado e perguntei, e ai? O que aconteceu?
-Giba meu camarada to lascado, fiz merda e seu Ague me pegou no pulo e as ebomi deitaram no meu pé e falaram a multa.
- Me fala direito, o que você fez afinal de contas?
- Hoje pela manhã eu dei uma bimbada e não tomei banho, troquei  de roupa e vim direto pro candomblé, peguei no tabaque e ai acontece, vc viu entendeu?
- Entendi, ou seja, você ta fudido, mas e agora ?
- Tenho uma multa pra pagar e não tenho dinheiro e nem sei como pagar, tenho que mandar fazer 7 “inhame assado” e botar uma “pataca” em cada um pra Ogun. Onde vou arrumar 7 “patacas” pra dar a Ogun? To fudido e mal pago.
         Estávamos tomando a cerveja e Lélinho cabisbaixo e se lastimando, xingando a própria burrice quando entre uma ebomi e vem direto na mesa.
         - Lélinho você não tem jeito. Viu ai o que você arrumou por não poder ver uma ( peluda) se lascou e agora o que você vai fazer pra pagar a multa?
         - Olhe minha velha, eu estou duro. Não tenho nenhum trabalho em vista. Não sei mesmo, mas tenho que dar um jeito.
         - As meninas gostam muito de você e vão te ajudar com os inhames, mas com as patacas ta difícil. Vc tem que ir à Senhor dos Passos , na igreja de São Elesbão Africano, bem na porta tem um velho feito de santo, ele tem um tabuleiro cheio de moedas velhas, vintém, pataca, quem vai fazer ébó pra Exu compra com ele. Ele é de Ogun, vai la e conte sua historia, quem sabe ele fica com pena e faz um preço bom.
         - Olhe minha véia vou lá amanha, tenho que fazer um inhame por semana, vou pedir a Exu pra me ajudar.
Enfim tomamos nossa cerveja e nos mandamos pra Nilópolis. Fui pra minha casa e falei com o Buda que gostava muito de Lélinho, contei o causo e Jorge tinha umas patacas no pé de Xango e falou. Vai la e chama ele agora. Sai correndo fui à casa dele e falei com ele que veio até a casa de Jorge. Entrou meio desconfiado tomou abença a Jorge com a cabeça baixa e esperou Jorge falar.

Continua no próximo capitulo, aguardem

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