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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018


LUCUBRAÇÕES MACABAS
“Baba eu quero. Baba eu preciso. Baba me ajuda.”
Desde que fiz santo me dediquei a aprender, “dei muitos anos oficio”, carreguei muito ébó, escutei sem abrir a boca, tomei muita baixa, toquei muito candomblé, ajudei muita gente a fazer santo. O pouco ou muito dinheiro que ganhava comprava livros. Fui a escola aprender língua Yoruba. Viajei e fiz amizades nos quatro cantos do mundo e tudo isso as minhas custas. Ganhei e gastei dinheiro a procura do saber, mas nem tudo paguei, pois fui fiel a minha família de santo e como dizia meu pai de santo, (juntei minhas 100 gramas de saber com muita dedicação e fidelidade aos meus).

Um Causo.

Estava eu no barracão, quando duas ebomi entraram e sentaram-se conversando em voz baixa. Eu estava sentado na esteira e mesmo a distancia ouvia o que falavam:
- Então você viu quando ele ofereceu aquela comida a “AJE” ?
- Pois nunca tinha visto, ele é foda sabe tudo sobre AJE, mas não fala, você tem que estar junto pra poder aprender.
- Pois não é, se você pergunta ele não fala, sempre diz, dê “anos oficio” e você  vai aprender.
- Olha irmã, eu gastei meus caraminguás e vim pra roça sem saber, e olha bem fui contemplada com o que aprendi.
- Pois é irmã, de “anos oficio” e aprenda ou você vai ficar perguntando e não ter as respostas.
Eu calado em  minha esteira estava e assim fiquei, mas atento. Daí pra frente elas falavam da vida e das dificuldades. Passou-se alguns dias e aquela coisa não me saia da cabeça, nunca tinha ouvido falar desse orixá e ansiava saber, mas como?
 Meu pai tinha algumas coisas a fazer e me chamou, deu as ordens e lá fui eu cumprir como sempre fazia sem questionar. Ao voltar dei contas e como ele estava de boa comecei uma conversa de “cerca Lourenço” demos risadas ele pegou um vinho de obi e começamos a tomar uma juntos, e ai ataquei.
- Meu pai, eu escutei falar de um orixá que nunca tinha ouvido falar, AJE.
- Oxente "baxinho", onde vc ouviu isso?
- Ah meu pai, foi por ai, o senhor pode me falar alguma coisa ?
- Olha bem, voce vai tirar a “baeta da bunda”, onde já se viu isso, voce ta ficando ousado, saia agora.
Eu sai do quarto puto da vida. Na hora de fazer as coisas eu era chamado, mas na hora que perguntava alguma coisa ele me mandava embora. Não pensei duas vezes, me arrumei, peguei minhas coisas, e me fui sem dar adeus. Sai da roça sem saber nem pra onde ia de tanta bronca, peguei o ônibus e terminei indo parar na casa de um velho pai de santo amigo, seu Miguel Grosso, onde eu sempre ia tocar seu candomblé.
Cheguei e fui direto pela porta da cozinha, bati na porta aberta e vi Obassa sempre na pia fazendo as coisas.
- Bença Obassa ?
-Olha ai quem chegou, Xango te abençoe, a bença, veio ver seu Miguel é?
- Vim sim, ele esta ?
-Ta sim, vou ver na sala, mas entre voce é de casa.
Entrei e vi seu Miguel sentado na cadeira de balanço vento tv, tomei a bença e me sentei no sofá.
- Oxente meu pai que novidade é essa o senhor por aqui essa hora ? Alguma coisa esta errada? Me diga.
- Seo Miguel, realmente, estou meio puto com meu pai e vim andar um pouco pra pensar o que fazer, e ai terminei vindo aqui ver o senhor.
- Olha se eu posso ajudar fale, eu gosto muito do senhor, então me diga o que é?
- Ta bom, seo Miguel, é sobre AJE, o senhor pode me dar uma luz?
Eu hein! é esse seu problema?  veja bem, abra as orelhas e escute.
O velho amigo discorreu sobre o orixá em questão, de que família ele era, o que ele comia, e que se cantava pra ele, só não te ensino a folha porque aqui perto não tem, isso voce se vira.
 Enfim me deu o “diaó” todo. Chamou Obassa e mandou chamar José e trazer uma cerveja. José chegou e começamos a conversar, seo Miguel foi pro quarto de santo ver as coisas dele, e logo depois me despedi e fui embora pra Nilópolis, pra Casa de Jorge Buda. Cheguei tomei meu banho, tomei a bença e fiquei tranquilo, eu estava em casa, depois do jantar conversamos e fomos todos dormir. No outro dia logo cedo falei com minha madrinha D. Mansa e fui ver o que fazer com o Argentino, e assim passou-se meu dia.
No final de semana voltei na casa do Pai de santo, subi a ladeira e no meio do caminho encontro meu compadre, Milton Melodia descendo.  Parei ,esperei ele se aproximar e tomei a bença.
- Bença Milton.
- Omolu te abençoe, vamos descer até o Nadinho e tomar uma?
- Milton meu compadre, me fala uma coisa, vc conhece a folha de AJE?
- Milton me olhou e falou. De dois passos pra traz e olhe pro chão.
- Desconfiado, pois estava na ladeira olhei com cuidado e dei dois passos pra traz e fale, já dei e ai ?
- Olha pra baixo e veja em que voce esta pisando.
- Olhei e vi que estava em cima de uma rama fina com flores brancas, perguntei, é essa a folha ?
- Pois é né, é essa mesmo, todo mundo pisa na fortuna e não sabe, agora vamos descer e você paga uma.
Eu fiz todo esse sacrifício pra aprender minhas 100 gramas, e nos dias de hoje as pessoas vem aqui nas redes sociais e querem que eu ensine um milhão de coisas sem ao menos eu as conhecer.
Toda hora tem um/uma que vem, Baba eu preciso disso.
 Baba eu quero isso.
Pergunta: porque voce não vai ao seu pai/mãe de santo?
Porque voce não procura sua família de santo?
Porque voce não faz o que eu fiz?
 Cheguei na casa de meu pai ou de um amigo mais velho com um presente na mão e ai sim, perguntei e recebi a resposta. Não tinha distancia tampouco gastos.


Baba Gilberto de Esu.



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